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DIRECÇÃO GERAL DAS ARTES

Quando quiseram explorar a história daquela jovem mulher que nunca aparece em cena, experimentaram o sabor do conservadorismo e de um misticismo que não conheciam.

(nunca aparece em cena porque a sua presença já é suficientemente forte assim/ nunca aparece em cena porque ninguém se vai esquecer dela mesmo sem a ver/ nunca aparece em cena porque era preciso pagar a mais uma pessoa/ nunca aparece em cena porque não é real e nós só trabalhamos com a verdade/ talvez apareça em cena)

Enquanto procuram criar uma obra artística contemporânea, moderna, que vai seguramente encaixar nas linhas de programação de todos os teatros portugueses e até mesmo dos da Europa, a ficção que vão ousando descobrir direcciona-os para outra parte. Para uma zona geral de conflitos que só por vezes surgem à superfície, para uma onde de superstições e perversões que moldaram a vida de uma pessoa. Encontramos pessoas assim moldadas em muitos momentos do nosso passado e em muita da nossa literatura. Nem queremos pensar muito nelas porque é preciso apontar para o futuro, ser contemporâneo aqui e agora – também porque não dá para ser contemporâneo noutra altura qualquer.

Mas a direcção geral que vamos tomando pode não ser aquela com que sonhamos (assim, no presente, sem acento, que sonhamos agora) e aceitar isso é muito duro e difícil. Afinal, seria tão mais fácil contar uma história de amor, como todas as histórias de amor que já se contaram e são tão lindas.

 

O texto deste espectáculo foi escrito entre Janeiro e Junho de 2021, no contexto de uma bolsa literária atribuída pela DGLAB. No entanto, sendo um trabalho de cariz literário mas sendo também a escrita de um texto para cena (texto dramático, se preferirem), eu não o quis fazer no isolamento de uma secretária, a deitar palavras num documento. Eu queria pensar com outras pessoas sobre as artes performativas em Portugal, em particular sobre teatro, e isso iria moldar a escrita de um texto para teatro precisamente. Fizemo-lo. Atravessando confinamentos impostos pela pandemia da Covid-19, isolei-me em videochamadas com uma série de gente amável e generosa que alinhou em pensar comigo. Trocámos ideias, concordámos e discordámos, partilhámos livros, filmes e música, falámos das nossas alegrias e sucessos, das frustrações e motivações, do presente e do futuro. Eles e elas não sabiam o que é que eu iria fazer com aquilo tudo, mas estávamos a pensar em voz alta e isso já estava a fazer algo por nós.

 

Mas não vacilei. Li e reli os apontamentos que tinha tomado, li os livros, vi os filmes e escrevi. Este texto foi criado com um substrato fornecido por artistas nossos contemporâneos; actores e actrizes, autores, autoras, encenadores e encenadoras, criadores/as da e para a cena portuguesa. Então, é sobre uma ideia de contemporaneidade que ele fala e é uma contemporaneidade menos evidente – porventura menos luminosa, porventura menos presente nas ribaltas diárias, na direcção geral que vamos apontando para as nossas artes.

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