CARLOS ALVES
UMA QUESTÃO DE TEMPO
DESCRIÇÃO
UMA QUESTÃO DE TEMPO acontece num teatro, com um grupo de actores que nos levam aos meandros da sua criação. No entanto, essa "intrusão" vai conduzir-nos por caminhos que desconhecíamos e revelações com que não contávamos. Este espectáculo é um labirinto, de portas e janelas que não existem mas que, podemos supor, sempre lá estiveram. Mas pouca coisa aqui é real ou, pelo contrário, nada aqui é ficção.
É um espectáculo em torno do tempo, de muitas formas e por muitas voltas, tantas quantas as voltas que o tempo dá. E é um espectáculo sobre Teatro. Sobre a vida no teatro e sobre o teatro na vida. As personagens movem-se descaradamente à procura de algo que ainda desconhecem, ignorando com mais descaramento ainda o espectador. Como se estivessem perante cadeiras vazias. Movem-se, protegendo para si o direito exclusivo de se movimentarem dentro de um teatro; elas movem-se, tentando desesperadamente justificar o seu ofício, a sua arte e a sua criação. Enquanto isso, debatem-se com a passagem do tempo, com os recuos à infância, a mulheres que estiveram ali mas já não estão; e confrontam-se com o fim que se aproxima, enquanto fazem o seu trabalho, à sua maneira, enquanto for possível. No limite, neste espectáculo, temos quatro actores à procura de um espectador.
FICHA TÉCNICA
Texto: Jaime Salazar Sampaio
Encenação: Carlos Alves
Elenco: Carlos Alves, Isadora Lima, Joana Lourenço, Marco Mascarenhas e Onivaldo Dutra
Movimento: Marco Mascarenhas
Espaço Cénico e Desenho de Luz: Carlos Alves
Cenografia e Figurinos: Joana Lourenço e Carlos Alves
Adereços: Rita Rodrigues
Sonoplastia: Carlos Alves
Operação de Iluminação: Rúben Silva
Operação de Som: Andreia Pinto
Assistente de Palco: Soraia Fernandes
Fotografia: Isadora Lima de Oliveira e Fábio Miceli
Design Gráfico: Carlos Catarino
Produção Executiva: Carlos Alves e Joana Lourenço
Produção: Ditirambus
HISTÓRICO
Estreou na Casa do Coreto, em Lisboa, em Fevereiro de 2019.
QUESTÕES DE PARTIDA PARA UMA CRIAÇÃO
Este espectáculo é sobre um espectáculo e sobre todos os espectáculos. É o tempo da nossa reflexão.
Carlos Alves encena o texto que Jaime Salazar Sampaio escreveu em 1999.
Quatro actores à procura de um espectador. Que teatro é este? Recuos à infância, a mulheres que podiam estar aqui; ou estiveram, de facto. É o tempo que passa e nos escapa, porque nos foi dado por um agiota. Neste teatro é assim, e depois logo se vê.
Um grupo de atores (um coletivo?, uma estrutura?, uma companhia?, uma empresa?, uma associação?) está a ensaiar... está a criar... está a pensar sobre... Há um espetáculo a ser pensado, trabalhado, ensaiado. Quem é o autor do texto? Quem é o encenador? Há encenador e autor? É preciso improvisar. Devised theatre, é isso? Não? Então é o quê? Um espetáculo a ser pensado. Em que momento nos preocupamos com o espectador neste processo? Nunca? Quase nunca? Será ele capaz de dizer? Dizer algo, impor-se, emancipar-se. Será ele capaz? Este espetáculo é sobre um espetáculo e sobre todos os espetáculos. Jaime Salazar Sampaio escreveu esta peça que se nos afigura em forma de questionamento e de ruptura. Escreveu-a em 1999. Como olhamos para ela em 2019 é o que queremos mostrar. São 20 anos, o tempo da nossa reflexão.
TEXTO PARA UMA FOLHA DE SALA
Entrar neste texto de Jaime Salazar Sampaio é como enfiarmo-nos dentro de um labirinto, donde não se vislumbra uma saída. Cada caminho é interrompido por outros que nos atiram ainda para uns com que não contávamos. É uma viagem, de muitos modos, e também no tempo. O texto fala de tempo mesmo quando parece esquecer-se dele; fala de um teatro que quer questionar; ficciona a realidade, deixando-nos sempre na dúvida sobre em que pé estamos agora. Isto é mesmo a sério?
Fala de amores, férias de Verão, noites que podem ser as últimas, vidas difíceis cruzadas com sonhos lindos. Fala da vida. E do Teatro. Do Teatro na vida e da vida no Teatro. E de muito mais, “porque numa peça nunca se diz tudo”.
A questão de tempo está em tudo o que faz com que ele passe e no que ele deixa à sua passagem. Por outro lado, é sempre uma questão de tempo até que tudo se desvaneça ou não desvaneça, aconteça ou não aconteça. É a questão de tempo que nos afasta de uma gloriosa infância.
“O que é que ele quer que a gente faça com isto?” foi a questão que colocámos muitas vezes. Mobilizámo-nos então para entender e decidimos que seria mais ou menos assim, “com umas pequenas modificações, uns cortes, uns aditamentos”. Mas a nossa questão fundamental é o espectador. Que papel lhe atribuímos neste espectáculo, se é que lhe atribuímos algum? O papel do espectador, é esse o nosso problema. O dilema entre a passividade ou a emancipação, seguindo o conceito de Rancière. Será um espectador que apenas olha ou um que também compõe um espectáculo a partir dos elementos do espectáculo que tem à frente? O papel do espectador é um problema nosso e talvez possa ser o problema de todos os nossos espectadores.
Carlos Alves